No pacote de medidas para compensar o fim da CPMF, o governo alterou o critério de cobrança do imposto de importação para dez setores. São eles: bebidas, plástico, borracha, têxteis e confecções, calçados, ferramentas, aparelhos de ótica e médico-hospitalares, relógios e peças, móveis e obras diversas. A mudança de legislação não foi discutida na Câmara de Comércio Exterior (Camex), e caso seja implementada, pode ferir as regras da Organização Mundial de Comércio (OMC). De janeiro a novembro de 2007, as importações desses setores somaram US$ 14,7 bilhões, o equivalente a 13% das compras totais do país.
A Receita Federal enxerga a medida apenas como um “seguro” para proteger a indústria nacional de eventuais operações de subfaturamento nas compras externas. Mas os importadores estão receosos de uma elevação abusiva de tarifa de uma hora para outra. Os compradores de tecidos e de vinhos, por exemplo, calculam que as tarifas de importação podem aumentar até 750% e 1.400%, respectivamente.
Em vez da aplicação de uma alíquota no valor da importação (ad valorem), a medida provisória estabelece um valor fixo até um teto de R$ 10,00 por quilo de produto importado (ad rem). O valor fixo também pode ser aplicado sobre outra unidade de medida. O Executivo terá a prerrogativa de alterar a relação de mercadorias dentro dos setores citados acima e também de modificar o valor da alíquota. Segundo a MP, a mudança só vale a partir da regulamentação, que não tem data marcada.
A mudança de critério permite ao Executivo determinar, a qualquer momento, o valor fixo a ser pago por qualquer um dos setores sujeitos ao novo critério. A mudança pode ser feita por decreto e valer imediatamente, já que o imposto de importação não está sujeito a nenhum prazo de anterioridade para entrar em vigor. “A única limitação é o teto de R$ 10,00”, diz a advogada Ana Cláudia Utumi, do Tozzini Freire Teixeira e Silva. “A mudança de critério via dispositivo com força de lei, como é o caso da MP, é imprescindível para a aplicação do novo critério”, completa Pedro César da Silva, sócio da ASPR Auditoria e Consultoria. “É apenas uma salvaguarda na legislação, que pode ser utilizada se algum setor for afetado pelo subfaturamento”, diz o secretário-adjunto da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto. Ele reforça que as medidas não estão em vigor e não serão adotadas para todos os setores de uma vez. Segundo Barreto, o governo não tem planos de aplicá-las rapidamente para nenhum setor específico, o que contraria a expectativa da indústria nacional, que ficou eufórica com o anúncio. “A regulamentação tem que vir o mais breve possível, senão é inócua. Esperamos que ocorra nos próximos 30 dias”, diz Fernando Pimentel, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), ressaltando que a “regulamentação é a alma da medida”. O empresário afirmou que a medida é “necessária” e negou que contrarie regras internacionais. Em junho de 2007, o governo anunciou tarifas ad rem para vestuário, mas a promessa não saiu do papel. Pimentel diz que é importante que a medida abranja tecidos para proteger toda a cadeia. Hélcio Honda, assessor jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), diz que a previsão facilita o recolhimento do tributo em segmentos que estão mais sujeitos ao subfaturamento. Antes o fisco precisava provar o subfaturamento caso discordasse do valor apresentados pelo importador. Com o novo critério, quem tem a obrigação de provar a tributação inadequada, caso o imposto se torne muito alto, é o importador. “Há uma inversão do ônus da prova”, declara Honda.
A perspectiva tira o sono dos importadores. “Se for regulamentado, voltaremos aos anos 70”, reclama Jonatan Schmidt, presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Matérias-Primas Têxteis (Abitex), referindo-se a um período protecionista do país. Schmidt reforça que o Brasil vai na contramão da tendência internacional, que é eliminar as tarifas por quilo e adotar percentuais, que distorcem menos o comércio. Segundo a entidade, o preço médio do quilo de tecido importado está em US$ 2,84. Se o governo optar pela tarifa máxima de R$ 10 por quilo, será o equivalente a elevar o imposto de importação dos atuais 26% para 196%, uma alta de 750% na taxa. “Os fabricantes brasileiros são incapazes de atender à demanda de tecidos, principalmente de produtos sintéticos”, diz Schmidt. Os importadores de vinho calculam que a adoção da tarifa máxima de R$ 10 por quilo pode significar aumento de até 1.400% no valor pago em impostos para produtos mais simples, vindos do Chile ou da Argentina. “Se essa medida entrar em vigor, só vai se importar vinho nobre no Brasil”, diz Ricardo Barsa, diretor-financeiro da Expand. O setor já enfrenta problemas com o governo paulista, que estabeleceu um sistema de substituição tributária, que antecipa o pagamento do ICMS para a indústria. “Com a substituição tributária e novas alíquota de importação, vai ser inviável vender vinho por menos de US$ 15 no Brasil”.
A inclusão das mudanças nas regras de importação da MP da CPMF pegou de surpresa, na sexta-feira (04/01), funcionários de outros ministérios, que não foram ouvidos. Antes de mudar a legislação, o Ministério da Fazenda não consultou a Câmara de Comércio Exterior (Camex), admite o secretárioadjunto da Receita Federal. Ele afirma, no entanto, que a câmara será o órgão responsável por estabelecer o valor da tarifa de cada setor. Barreto admite que, caso entrem em vigor, as medidas podem ser alvo de questionamento na OMC , mas ressalta que outros países, como a Argentina, utilizam o mecanismo para defender a indústria. Na regulamentação, as mudanças nas tarifas também serão alvo de discussão no Mercosul.
Fonte: Valor econômico